Em 2012, quando tinha cinco anos, Rudá me acordou, bem cedo e disse: Vamos ver o depois do sol, Chico (jamais me chamou de pai), então, peguei-o no colo, e o coloquei por sobre a janela, a ver aquela luz doirada da manhã beijar os prédios, luminosos, mas, fiquei o dia inteiro a pensar na frase-manifesto de seu desejo, ecm como, nestas sensações, o Rudá se relaciona com a sua memória cosmológica, porque, embora ele saiba que o por do sol faz-se à tardinha, logo cedinho ele o sente - e eu também senti com ele este conhecimento sensível - na pele, a temperatura da cor, e, mais que isto, todos estes momentos em que o universo - e só ele - nos permite viver a relação entre pai e filho, que nem sempre foi coisa que eu consegui experienciar em minha vida, com meus rebentos. E que a luz do sol nos abençoe, filhos! Fui buscá-lo à escola, mais cedo que de costume, apanhei-o antes das seis horas da tarde, tão logo me viu, ainda a descer as escadas, olhou-me nos olhos, e disparou: ainda dá tempo de ver o por do sol, Chico. E, claro, ainda nos restava este tempo, porque o construímos juntos, porque este tempo, faz-se em nós, e eu havia ido buscá-lo mais cedo por causa disso mesmo, porque ele havia acordado a me convidar a ver o depois do sol. E, ainda que o sol de deite, e se levante, e assim, ad infinitum, aquele por do sol ao nascer do sol será sempre nosso, e vai sempre brilhar em meu espírito. Amo muito meus filhos, rezo por eles todos os dias. (Carpinteiro de Poesia)
Olhando assim não dá nem pra imaginar, mas o zelador da União do Vegetal lá da praia de Salinas já foi um dos roqueiros mais doidos de Belém do Pará. Relembro de nós dois na Praça da República, foi pé do Teatro que ele urinou. Naqueles anos oitenta, noventa, quando éramos todos camaradas, e comprávamos cachaça, depois de uma coleta, entre os grupos de pobres, meio punks, meios junkers. A gente andava até as barcas atracadas no cais do Ver-o-Peso pra comprar a azulzinha que vinha lá das ilhas de Abaeté, cuja a cultura do Engenho por qualquer motivo definhou. Buscapé vem lá da Marambaia, terra sagrada, bairro que é em si a própria resistência política e cultural dos movimentos sociais comunitários que mantém acesa a chama do Boi, do batuque, da capoeira, e da poesia. Esse mulequinho, maluquinho cheirosinho, de escopeta na mão, não faz mal nem a um inseto, ao contrário, é um doce contador de causos que ele inventa e reinventa com um sabor de quem sabe que a vida é para se divertir. J
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