Pular para o conteúdo principal

Carta do Carpinteiro para o Ferreiro dos Orixás

Considere que eu sou um jovem umbandista, apesar de minha idade madura, e apesar de sempre ter tido um pé na Umbanda, pois que meu pai me levava desde miúdo para os rituais que ele assistia, e, apesar de que, eu próprio, depois de adulto, frequentei diversas casas, mas somente há menos de um ano que me integrei de forma orgânica à UMBANDA, onde me batizei, fiz meu Anjo da guarda, a cabeça no Santo.
Sou um crente intuitivo que sempre fez suas magias e estudos de forma isolada e audodidata, sempre cumpri com minhas liturgias e obrigações, de acordo com uma intuição própria, a qual seguia, até que me encontrei, e, confesso, isso mudou a minha vida, mas, mesmo assim, continuo uma pessoa holística, dessas que pesquisa como curioso, e aceita diferentes leituras e interpretações, desde que encaminhadas para o desenvolvimento do espírito.
Além de Umbandista, fui batizado Cavaleiro de Aruanda na Fraternidade Branca, que é uma espécie de Escola Esotérica, cujos fundamentos iniciáticos remetem à Teosofia de Helena Blavatska, mas atualizada pela devoção às Chamas Violeta e Azul, recebendo ainda o nome de “foco”.
Objetivamente, penso que a influência de OGUM  neste ano de 2019, ela vai ser mais de forma indireta do que direta, pois, o reino dos ORIXÁS é um não-lugar espiritual, que não se localiza no plano terreno, mas a este pode socorrer, para aliviar as nossas angústias materiais, ou seja, os Orixás entram em sintonia com nossos corpos a partir de nossas vibrações psíquicas e mentais, e simultaneamente, a partir de nossa predisposição física para os reverenciar, em processos e rituais diversos, que podem ser, desde o momento em que oramos, em silêncio, e á sós, com as forças cósmicas, quanto, quando estamos acompanhados, com amigos, nas ruas, nas igrejas, nos terreiros, nos bosques, nos jardins, nas praias, no trabalho, em casa.
Porque suas energias estão no etéreo e somente as atingimos se as servirmos, ou seja, não são os Orixás que servem a nós, mas nós, devotos, e missionários, que lhes invocamos, pedimos por socorro quando necessitamos, nós que os temos de lhes servir, por obrigação, ou de forma espontânea, desde que seja de coração, e com a cabeça livre, despojada de pensamentos que nos possam retirar da frequência à qual entramos quando nos abrimos à intuição.
E quando falo lhes servir, quero dizer, a partir de um compromisso pessoal,  ético humano, que vai além de nossa religiosidade, e se materializa naquilo que somos, e de como operamos as nossas ações, independentemente de irmos à igreja ou ao terreiro, independentemente de adotarmos ou não uma religião, pois estar ao serviço do outro é estar sempre em serviço, a trabalhar com o corpo e o espírito, pelo bem.
As forças do astral têm uma relação direta com o nosso planeta e de fato o protegem, entretanto, elas não podem intervir nos nossos destinos, pois que temos livre arbítrio, o bem e o mal não existem nas coisas, mas em nós, que muitas vezes não sabemos lidar comas forças que nos movem e que nos regem, e que nos rodeiam, e que nos afetam os pensamentos e nossas ações conosco e com os outros.
Estas forças circulam, e nos impulsionam, de diferentes formas, pelo que temos de as aceitar, e as  compreender, para que com elas possamos fazer o trabalho que o Universo quer que façamos, desde o dia em que nascemos até o nosso último suspiro.
Muitas vezes, retardamos o grande encontro com estas forças mas, quanto antes as encontrarmos, mais dela nos beneficiaremos.
Assim sendo, OGUM poderá melhor interferir neste ano, mas, antes, precisamos nós observar e saber quais são as qualidades e virtudes e mesmo os defeitos deste ORIXÁ, para que a sua interferência seja ainda muito mais positiva em nosso caminho.
OGUM é o ORIXÁ do fogo, da guerra, da tecnologia, mas ele também concilia, e faz instrumentos de cura, e potencializa a inteligência pela paz.
Este é o OGUM que está em nossos corações.
Não o podemos imaginar bélico, armado e predisposto para as batalhas.
Porque, antes de enfrentar os nossos inimigos, teremos de encarar os nossos inimigos interiores, os nossos medos, a nossa preguiça, o nosso egoísmo, a nossa maldade, a nossa má vontade, a nossa falta de atenção, a nossa inveja, e todos os demais problemas que nos tornam humanos.
Temos de desmanchar nosso ego, com humildade, e nos perdoar, perdoar a todos que nos atacam.
Ao contrário de organizar um Exército, temos de enviar nossos soldados para socorrer aos mais necessitados.
E se tivermos de ir aos campos de batalhas, então, OGUM, poderá combater conosco contra as forças do mal, contra os dragões míticos que nos queimam todos os dias.
OGUM influencia este ano pela sua personalidade forte, pela sua ira de guerreiro, que, como tal, tem de destruir seus adversários, mas ele não mata por prazer, e quando o faz, também pode se arrepender, e sofrer, porque ninguém em sã consciência que vença uma guerra, deixa de se sentir derrotado ao final dela.
Ainda que nos preparemos para a guerra, no fundo, desejamos paz.
E buscar a paz, contraditoriamente, exige que nos preparemos para a guerra, conforme está nas sagradas escrituras.
OGUM está sincretizado como JORGE, o grande guerreiro da Cruz de Cristo, que jamais foi derrotado, que, mesmo torturado, ressuscitou.
OGUM é também uma fênix que renasce, e, dizem os mitos, que Ele foi o único que recebeu o segredo do fogo, que compartilhou humildemente com os humanos e curiosamente se auto-exilou, desiludido com o assédio dos Orixás.
Esta sua generosidade, e, ao mesmo tempo, esta sua solidão tem uma dimensão simbólica tão profunda em minha vida, que eu me identifico bastante com OGUM, pelo seu altruísmo.
Do mesmo modo, a forma com a qual se impôs contra seu próprio povo, depois de guerrear por este.
E ainda o fato de ter encravado uma espada na terra e se enterrado a si próprio, como um grande Senhor de seu destino, que é.
Estas referências são míticas, mas simbólicas para a nossa realidade e para este ano que estamos a viver, que, sem dúvida, será de muitos conflitos globais, em que teremos de defender o que ao final haveremos de combater.
Daí a importância de nos mantermos focados, de sabermos o que realmente precisamos buscar para obter e partilhar.
Mas, nem todas as guerras são nossas, e nem sempre seremos por elas convocados, algumas, pertencem aos outros, e teremos de as observar, à distância, reservados.
Somente podemos participar de batalhas se de fato estivermos preparados para Elas.
Nem sempre teremos armas para o combate, e muitas vezes teremos de lutar desarmados.
Então, lutaremos mais com nossa inteligência do que com nossa força.
Vitórias ou derrotas nem dependem de nossos inimigos, mas de nós próprios.
Pois que  devemos antes de tudo saber o que precisamos alcançar e quais os territórios a conquistar.
OGUM nos ensina a perdoar, na sua luta inconstante, pois, todos os dias deste ano precisaremos compreender, há uma crise global, de natureza política, econômica, e social, que afeta, de forma diferenciada, cada uma das pessoas.
Um mundo em contradição, com Nações em busca de riquezas a custa da miséria de milhões, um planeta a sofrer com as mudanças climáticas, poluições, catástrofes ecológicas, e crianças a morrer, jovens a se suicidar, pais a se desesperar.
Teremos de ser ainda mais fortes do que até o momento temos sido.
Teremos de sonhar ainda mais do que sonhamos.
Teremos de crer ainda mais do que cremos.
Não titubeemos jamais de nossa Fé.

Salve OGUM.

Ogunhê, Meu Pai.
Patacori!

© Carpinteiro de Aruanda






Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Nos anos de 1970, ele morava na Avenida Dalva, e todo dia ele ia a feira da Marambaia

Olhando assim não dá nem pra imaginar, mas o zelador da União do Vegetal lá da praia de Salinas já foi um dos roqueiros mais doidos de Belém do Pará. Relembro de nós dois na Praça da República, foi pé do Teatro que ele urinou. Naqueles anos oitenta, noventa, quando éramos todos camaradas, e comprávamos cachaça, depois de uma coleta, entre os grupos de pobres, meio punks, meios junkers. A gente andava até as barcas atracadas no cais do Ver-o-Peso pra comprar a azulzinha que vinha lá das ilhas de Abaeté, cuja a cultura do Engenho por qualquer motivo definhou. Buscapé vem lá da Marambaia, terra sagrada, bairro que é em si a própria resistência política e cultural dos movimentos sociais comunitários que mantém acesa a chama do Boi, do batuque, da capoeira, e da poesia. Esse mulequinho, maluquinho cheirosinho, de escopeta na mão, não faz mal nem a um inseto, ao contrário, é um doce contador de causos que ele inventa e reinventa com um sabor de quem sabe que a vida é para se divertir. J

As agulhas e linhas de minha Mãe e as contas de minhas guias

Toda vez que eu vou meter uma linha numa agulha eu me recordo de minha Mãe, Dona Josefa, e de quanto eu ficava feliz por ela me pedir que a ajudasse quando ia costurar à máquina, em cujo pedal eu também brincava, quando ela não estava a trabalhar.  Talvez seja por isso que tenho uma fixação pela expressão bíblica de que é mais fácil um camelo passar num buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus.  Minha sábia Mãe era uma pessoa cuja humildade era absoluta.  Era também de uma paciência magnífica. E falava baixinho, apenas o necessário. Nestes dias, a fazer minhas guias, a passar com as linhas entre as contas, minha memória vai direto para a infância, e logo sinto a presença de mamãe, enquanto, em silêncio, medito e dialogo com ela. Recordo as roupas que fazia, algumas reaproveitava, de irmãos mais velhos, ou de amigos que faziam doações. Moça prendada do interior, tinha habilidades para trabalhos manuais e não abria mão de plantar hortaliças em pequenos espaços

#FEITIÇO (in progress): fazer-pensar magia no cinêma Amazônida

                   P ensar/fazer cinema é fazer/pensar memórias /nomadismos por entre (des )lugares , territórios /fronteiras para os quais são necessárias inúmeras viagens, cujos percursos/trajetos - para além das experiências - traduzem imagens/i-marginários, que nos impregnam e em cujas brumas desaparecemos. Pensar/fazer cinema memorial na Amazônia é, portanto, fazer/pensar cinematografias invisíveis, revisitar experiências de realizadores-ativistas e coletivos audiovisuais cujas histórias/memórias são narradas por vozes que (se) desejam falar e (se) fazer ouvir. É navegar, assim, por rios nunca navegados, até ilhas quase desaparecidas, perdidas em lembranças-pulsantes, à revelia de teorias/estratégias globais que usurpam/apagam tradições, pelo que o protagonista da História se desloca para (a partir do lado de) fora, colocar-se dentro de seu próprio lado, para se fazer comunicar, sob o seu próprio paradigma e de seus companheiros de curso.               É sobre essa experiê